Três Perguntas a Luís Nunes

23 de fevereiro de 2010

(coordenador do Programa Nacional para as Doenças Raras)


Qual é a prioridade do plano para as doenças raras?

Criar uma rede de referenciação; e o documento que diz o que são centros de referência e como devem ser criados já está pronto para ser enviado para a Direcção-Geral de Saúde. O objectivo é ligar as pequenas unidades aos grandes centros de saber, que irão supervisionar o tratamento dos doentes e dar formação e orientação técnicas às equipas regionais. As unidades vão poder candidatar-se ao centro de referência das várias patologias, mas defendo que as doenças hereditárias do metabolismo devem ter prioridade: os tratamentos são muito caros e é preciso existir centralização.



Ser um centro de referencia implica gastos muito elevados. Acredita que os hospitais vão apresentar candidaturas?

Sim. Até os privados vão estar interessados. Ser um centro de referência da notoriedade e mostrar que se é bom. O hospital terá de investir, mas haverá mecanismos financeiros de diferenciação, à semelhança do que é feito para pagar os transplantes.


Os doentes queixam-se de que o acesso ao tratamento é demorado e difícil. Têm razão?


A tutela tem adoptado uma boa estratégia. Criou comissões técnicas de regulação a nível nacional para confirmar o diagnóstico e determinar a terapêutica, paga pelo Estado. Contudo, nem todas as doenças raras estão abrangidas. Nesses caso, as decisões ficam dependentes das admistrações dos hospitais, mas não faz sentido que umas autorizem e outras não, mesmo sabendo que os gastos têm consequências diferentes para os hospitais mais pequenos.


Expresso, 06 de Fevereiro de 2010

Estatística

17 de fevereiro de 2010

600 mil a 800 mil pessoas em Portugal são portadoras de uma doença rara e a maioria tem uma patologia com menos de 100 casos no país. Na união Europeia, estima-se que existam 15 milhões de indivíduos com doenças invulgares.
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7 mil patologias órfãs - as que afectam uma em cada 2000 pessoas - estão identificadas, mas por semana são descritas mais cinco. A maior parte (80%) tem origem genética.
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57 medicamentos órfãos (únicos e para doenças raras) estão autorizados em Potugal. Apenas 44 são comercializados.
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2010 é a meta do Plano Nacional de Saúde para utilizar 100% dos remédios órfãos disponíveis. os dados mais recentes (2008) revelam uma taxa de 57,1%.
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Expresso, 06 de Fevereiro de 2010

Portugal vai iniciar registo de doentes

Ninguém sabe ao certo quantos portugueses sofrem de uma doença rara.
Os únicos dados disponíveis são estimativas europeias e a Federação das Doenças Raras de Portugal decidiu agora iniciar o primeiro registo nacional. O projecto vai ser 'posto em marcha' na terça-feira e tem como objectivo fazer um retrato completo da situação nos próximos quatro anos.
A par da informação estatística, o registo pretende ainda reunir dados sobre diagnóstico, tratamento, medicação, consultas, internamentos, consequências psíquicas e económicas da doença e o nível sócio-económico dos doentes, por exemplo.
A informação será obtida a partir de associações de doentes, hospitais, centros de saúde, unidades de investigação, consultas de genética e, em último recurso, das delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal.

Expresso, 06 de Fevereiro de 2010

Estado recusa pagar medicamento para doença rara.

9 de fevereiro de 2010


Já morreram três crianças com Prader-Willi devido à falta da hormona de crescimento
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Quanto pode um país gastar em medicamentos para melhorar a qualidade de vida de crianças com doenças raras? A conta é difícil de fazer, mas Portugal tem entendido que nem sempre há vantagem no investimento. A denúncia é feita pela presidente da Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - Raríssimas, Paula Brito e Costa: "Conhecemos três crianças com Prader-willi que morrreram por falta de acesso à hormona de crescimento e vão morrer mais porque o Estado recusa pagar. No entanto, a hormona é gratuita para outras patologias".
O tratamento é suportado pelo Estado apenas para as quem impedem o organismo de produzir a hormona de crescimento, uma deficiência que não existe nas crianças com Prader-Willi. Neste caso, a hormona é ministrada, não porque seja produzida pelo doente, mas para melhorar a qualidade de vida. "Esta síndroma caracteriza-se pela perda de material genético no cromossoma 15, provocando alterações no crescimento - são crianças pequenas, redondinhas e todas parecidas - e no apetite. Têm uma fome incontrolável que as levas à obesidade mórbida e daí a graves problemas pulmonares, cardíacos e outros", explica o coordenador do Programa Nacional para as Doenças Raras, Luís Nunes.
Não há cura. O tratamento hormonal é uma das esperanças. "Não vai resolver todos os problemas, mas está provado que aumenta o crescimento e a massa muscular, reduzindo o tecido adiposo; melhora a actividade física e a função respiratória", afirma o presidente do Colégio de Genética Médica, Jorge Saraiva. Vários especialistas, incluindo o próprio coordenador nacional, admitem que a exclusão destas crianças do protocolo de dispensa gratuita do medicamento tem um fundamento mais economicista do que científico.
Medicar uma criança com a hormona de crescimento custa ao Serviço Nacional de Saúde, no mínimo, dois mil euros mensais durante vários anos. Por isso, o tratamento está sujeito a um controlo apertado e a sua oferta depende da autorização de uma comissão técnica de regulação, na dependência da Direcção-Geral da Saúde (DGS), que tem recusado alterar as regras. Para o representante da Ordem dos Médicos, a intransigência é por cautela. Jorge Saraiva salienta que "os estudos conclusivos sobre os benefícios são recentes. Agora, nada impede a comissão de rever os critérios face aos novos conhecimentos".
Aliás, há quem reclame uma verdadeira reforma. "Qualquer médico capaz sabe que a hormona de crescimento melhora a vida do doentes de Prader-Willi. A comissão de regulação, constituída por endocrinologistas, não tem sensibilidade para os problemas genéticos e devia incluir geneticistas", defende a consultora de genética da DGS, Eloísa Santos. Luís Nunes garante que "o assunto está nos gabinetes". O responsável da DGS pelas doenças raras, José Robalo, salienta que "um dos objectivos principais do Programa Nacional para as Doenças raras é a organização do sistema e a primeira das estratégias é melhorar a qualidade da prestação dos cuidados".
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Pais têm medo de falar
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E enquanto nada muda os pais destas crianças só têm duas alternativas: pagar o medicamento ou convencer os admistradores hospitalares a faê-lo. "Uns aceitam, outros não. A decisão é tanto mais difícil quanto mais caro é o medicamento e com a mudança de estatuto dos hospitais para a gestão empresarial tornou-se tudo mais complicado", garante a presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa.
Pedro Lopes preside à associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e aceita a crítica. "É uma questão de dinheiro e de atitude. Os gestores não têm de ser 'mãos largas', mas devem ter responsabilidade para questão pública. O problema é que as doenças raras entram no orçamento total - só há financiamento autónomo para a sida - e são os hospitais centrais e universitários que acabam por suportar estes doentes." Segundo a Raríssimas, os hospitais peduátricos também têm sempre a porta aberta.
O expresso falou com pais de crianças com Prader- Willi e todos recusaram expor-se. Temem que ao falar das suas dificuldades lhe sejam negados os pedidos de oferta da hormona de crescimento que têm pendentes nos hospitais onde os filhos são acompanhados. "Está muita coisa em jogo. Seria arriscar de mais", diz uma mãe.
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Expresso, 06 de Fevereiro de 2010 - página 23